Faz muito tempo que eu venho querendo escrever sobre isso (na verdade, até já foi uma vez, só que a lesa aqui perdeu o texto), mas acho que tenha sido até bom que isso não acontecesse antes.
Pra algumas pessoas, isso pode parecer drama e mimimi, e eu de verdade entendo. E se você acha isso eu te respeito e não tem o por quê de continuar lendo (você não é obrigado a nada). Mas a verdade é que as pessoas não tem noção de como um cabelo, UM SIMPLES CABELO tem o poder de afetar a auto estima de uma pessoa em enormes proporções. De como um simples cabelo, pode tirar a sua liberdade e acaba com a sua identidade, sua origem, sua descedência. E isso tudo porque desde novos, somos ensinados de que algumas coisas são erradas e outras certas; e de que algumas coisas são bonitas e outras feias. Eu mesma vivenciei isso.Sempre me lembro de ouvir na tv, de pessoas e até mesmo dentro da minha casa de que cabelo crespo é cabelo feio. É difÃcil de cuidar, de pentear (essa parte é a mais pura verdade). Desde pequena eu ouvi muito isso, e eu não culpo minhas maiores referências femininas (mãe e tias) por me dizerem isso, até porque elas cresceram ouvindo isso. Também frisando que eu sempre tive o direito de escolha, se eu quisesse alisar, alisaria. E se não, não alisaria. Mas quando se é criança, a gente quer ser bonita que nem a moça na tv ou até mesmo um familiar. E eu seria se eu tivesse o cabelo liso.
Então com nove (apenas nove!!!) começou todo esse ciclo da minha vida de transformar o meu cabelo no que ele não é. Os domingos passando henê, depois fazendo aquela escova quente marota, a toquinha na hora de dormir pro cabelo não amassar. Lembro disso tudo com saudade, porque eu não era infeliz naquela época. Nunca tive problemas de auto estima, pra mim o cabelo alisado só me deixava MAIS bonita (leonina com ego grande é foda). Fora que eu só fazia de vez em quando, em datas especiais e etc. Até ai ok.
Mas tudo mudou quando fui pro ginásio. Todas as meninas com o cabelo enormes, SUPER LISOS. E eu sempre com um rabinho de cabelo porque não gostava de como meu cabelo era solto ao natural (fora que ele ja tinha alguns anos de henê, então tava entre um meio termo de liso e crespo), e então começou um novo ciclo. Aquele ciclo em que aos domingos, quando a preguiça não era mais forte, eu acordava cedo, passava henê, deixava ele agir. Depois lavava, fazia uma hidratação, uma escova e passava umas duas horas com a chapinha na mão o alisando. Quando estava frio, fazia isso durante o dia, e quando estava calor, fazia a noite com o ventilador ligado no modo em que ele não rodasse pra que o meu cabelo não voasse com o vento. E ficava com o cabelo assim durante toda a semana, na sexta ele já tava super sujo, então usava um coque ou rabo de cavalo. Se tivesse compromisso no fim de semana, o lavava antes e começava tudo novo.
E assim foi. Por longos anos.
E eu juro que isso não me afetava em grande proporção. Eu gostava do meu cabelo, eu gostava do poder que a chapinha me dava de deixa-lo liso reto ou com umas ondinhas na ponta, de ajeitar a franjinha. O que eu não gostava era de não poder pegar chuva durante a semana, nem mesmo o sereno da noite, de ter que me privar de nadar na piscina e sempre elevar a cabeça quando a onda na praia me atingia, de como meu cabelo ficava oleoso depois de uns três dias e eu que eu tinha q lavá-lo e começar TUDO DE NOVO.
Eu já tava de saco cheio.
Uma hora, meio que a ficha caiu. Eu perdia todo aquele tempo (MUITO tempo) numa coisa que não tinha jeito, que só piorava tudo. Meu cabelo ficava cada vez mais fraco, cheio de pontinhas duplas... ele nunca seria como eu queria que ele fosse. O que eu tinha que fazer era aceitá-lo e cuidar dele direitinho e de uma forma me fizesse bem, que ai ele seria lindo, pra mim. E no final, é isso que importa.
Não me lembro exatamente quando eu decidi parar com henê, mas a transição, a tão difÃcil transição durou (quase) um ano. E não foi fácil não rs. Nesses 21 anos de vida, foi o perÃodo mais difÃcil que tive na minha relação com o meu cabelo. Aquela coisa de ele não estar crespo o suficiente e nem liso porque a chapinha não funciona mais era simplesmente insuportável. E os dias de calor? Não poderiam ser piores.
Tinha quem reprovava, dizia que ia dar muito trabalho (mas com certeza não ia dar mais trabalho que o combo escova + chapinha toda semana), ia ter que viver molhado entupido de creme (mito) e outras coisinhas que eu simplesmente ignorava, porque eu tava muito determinada a seguir em frente. E tinha também que me apoiava, dizia que ele ia ficar lindo, e havia também meninas espalhadas por grupos do Facebook que passavam pelo mesmo e compartilhavam comigo dicas de como fazer essa fase ser menos chata (vocês foram essenciais <3).
A raiz do cabelo foi crescendo cada vez mais e eu ia o descobrindo a cada novo centÃmetro. Ficava pasma de como na verdade, eu não conhecia nada do meu cabelo.
Pretendia esperar mais um pouco até o corte, mas chegou um dia em que eu simplesmente chutei o balde. NÃO AGUENTAVA MAIS! Fui até o salão e disse: "corta". Sem medo de ficar muito curto, apena curiosa de saber como ficaria. Cortou. Uma nova eu apareceu.
Achei que a adaptação seria mais difÃcil mas foi muito tranquila. Era como se eu sempre fosse assim. Eu me olhava no espelho e gostava do que via, das ondinhas que ele forma e de como ao se secar naturalmente, ele se encolhia. Tava lindo. Era como se houvesse um tipo de resgate. Como se todo aquele perÃodo enorme o alisando, tivesse durado apenas uns dias. Eu me encontrei muito mais como pessoa, com a minha personalidade e o meu estilo. Eu tenho um cabelo incrÃvel!
Claro que nem tudo são flores e ás vezes eu não tô afim de cuidar dele como devia (hidratação toda semana mandou um beijo), às vezes queria ele um pouco curto ou pouco maior, mas isso é completamente normal, nada na vida é perfeito.
E é normal também se você quiser alisá-lo, ou enrolá-lo, não interessa. A vida é sua, o corpo é seu. Só é importante que você faça o que te faz bem e feliz e não atrapalhe a sua vida, e não que faça algo por pressão da sociedade. Que você se sinta bem e linda se olhado no espelho.
Porque afinal, é só cabelo.